SOBRE SUTURA

Em Sutura, Adosa aproxima-se da matéria com a intimidade de quem escuta. A cortiça, viva e renovável, guarda nas suas células a memória lenta da terra — uma pele que respira, que regenera, que recorda. Sobre ela, o fio de cobre é cozido com a delicadeza de um gesto que reconhece a ferida: uma intervenção humana que não se impõe, mas tenta compreender o alcance das marcas que deixou.

O cobre surge como presença atenta — maleável, paciente — insinuando-se na cortiça não para dominá-la, mas para revelar a possibilidade de reconciliação. O encontro entre estes materiais cria uma estrutura que é, ao mesmo tempo, frágil e resistente: uma cicatriz afirmada, visível, que não procura esconder o dano, mas transformá-lo em gesto de reparação.

Sutura propõe um olhar demorado sobre a responsabilidade que carregamos: a de preservar, de reencontrar, de restaurar as ligações essenciais entre o ser humano e a natureza que o sustém. No diálogo íntimo entre a matéria vegetal e o metal conduzido pela mão de Adosa, emerge uma reflexão sobre aquilo que retiramos do mundo e aquilo que, inevitavelmente, precisamos devolver.

Nesta costura que se inscreve na superfície da cortiça, a obra recorda-nos que, apesar das fraturas — ou talvez através delas — ainda é possível reatar o vínculo delicado entre a ação humana e a resiliência silenciosa da terra.

SUTURA, 2025. Cortiça e cobre, 150cm x 0,05cm x 150cm.