
SOBRE DAPHNE & PENEUS
No encontro entre o transparente e o orgânico, a artista revela a essência do mito grego: a transformação como forma de permanência, o instante como eco da eternidade.
Em Daphne & Peneus, Adosa convoca o instante em que a ninfa Daphne implora ao pai — Peneus, deus do rio — que a oculte da aproximação de Apolo. Nesse gesto limite, onde o medo se transforma em renascimento, nasce o impulso mítico que atravessa a série. Aqui, fragmentos vegetais — folhas, pequenas ramificações, pó de cortiça ou de madeira — são encapsulados no vidro; sob o calor extremo, a matéria volatiliza-se e deixa apenas o seu traço mineral, a delicada ossatura da planta impressa e eternizada na transparência.
O vidro torna-se o lugar dessa passagem: camadas fundidas que aprisionam matérias orgânicas como memórias suspensas, traços de um corpo que se entrega à metamorfose. A luz percorre essas superfícies com a fluidez de um curso de água, sugerindo o instante em que a forma hesita entre ser corpo ou tornar-se árvore. As matérias encapsuladas devolvem ao olhar uma continuidade silenciosa — um pulsar que aproxima o gesto humano do ritmo natural, como se o rio encontrasse no vidro um novo leito para se perpetuar.
Daphne & Peneus é, assim, uma meditação sobre a origem e o retorno, sobre o fluir que nos atravessa e nos molda, reenviando-nos sempre ao início onde tudo se transforma para permanecer.
