
SOBRE DAPHNE & APOLO
Na série Daphne & Apolo, Adosa revisita o mito grego à luz do presente, transformando-o num diálogo entre matéria, desejo e libertação. Evoca o instante em que a ninfa Daphne, exausta da perseguição do deus Apolo, pede auxílio ao pai — Peneus, deus do rio — e é convertida em loureiro. A metamorfose não surge como peso, mas como ato de coragem: a criação de uma nova vida onde antes existia medo.
O vidro e a cortiça — tão distintos em natureza — encontram-se num equilíbrio sensorial: o vidro, frágil e translúcido, acolhe a luz e a leveza da mudança; a cortiça, orgânica e ancestral, guarda a memória de um renascer contínuo. Entre ambos abre-se um território onde o espiritual toca o terreno, onde o efémero encontra raiz.
A artista reinventa esse instante de transfiguração como símbolo de resistência e auto-preservação. Na fuga de Daphne, ecoa a necessidade profundamente contemporânea de romper com amores tóxicos — relações onde o desejo se confunde com poder, e onde a recusa se torna o único caminho para recuperar a própria existência. As peças insinuam o movimento entre a pressão de Apolo e a evasão da ninfa, tornando visível a tensão entre o que aprisiona e o que liberta. Transparências e texturas respiram sob a luz como testemunhos de um gesto que se move para além do medo.
Daphne & Apolo torna-se, assim, uma meditação sobre transformação e equilíbrio — um espaço onde matéria e mito se entrelaçam, revelando que mudar não é desaparecer, mas permanecer de outra forma.
