SOBRE GAVETA

Nesta escultura, o cobre, um ramo de vinha partido e a madeira entrelaçam-se numa respiração partilhada, como se cada material reencontrasse aqui a possibilidade de uma vida continuada. Adosa convoca as filosofias japonesas do Mottainai e do Kintsugi, assimiladas durante as suas estadias no Japão: a primeira recorda-nos que nada deve ser desperdiçado; a segunda ensina que a fratura pode ser revelada — e não escondida — como parte vital da continuidade e da história das coisas.

O cobre, que na viticultura nutre e protege, manifesta-se na sua dimensão mais íntima, abraçando o ramo de vinha que o tempo partiu, mas que a terra insistiu em manter vivo. Nas mãos de Adosa, este encontro entre matéria orgânica e metal ganha uma profundidade renovada, como se a memória da própria vinha encontrasse uma forma de permanecer.

A peça é emoldurada por uma gaveta antiga, prestes a ser descartada, marcada por usos que o tempo tornou quase impercetíveis. Ao recuperá-la, Adosa devolve-lhe presença e sentido, transformando aquilo que iria desaparecer num espaço dedicado à memória e ao respeito pela matéria. Gaveta — testemunha silenciosa de outras vidas e de outros gestos — converte-se no território onde fragilidade e resistência se reencontram.

Deste modo, a obra afirma-se como um tributo à capacidade de renascer: uma celebração da memória que persiste, das continuidades que emergem do que parecia perdido e da vida discreta que permanece, mesmo quando tudo indica que já não havia nada a guardar.

GAVETA, 2024. Cobre, videira e gaveta de madeira, 200cm x 50cm.