SOBRE CADEIRA
Inspirada pela filosofia japonesa do Mottainai, que nos recorda o valor silencioso do que julgamos perdido, Adosa resgata uma cadeira antiga para lhe conceder nova respiração. Revestida com material nobre, a peça renasce como testemunha de vidas passadas, guardando vestígios de gestos, presenças e histórias que se recusam a desaparecer. É, simultaneamente, obra e dedicatória — um modo de honrar aquilo que existiu e continua a pulsar na memória das coisas.
A vulnerabilidade do material orienta a artista num gesto de escuta atenta. A matéria impõe o seu próprio ritmo, conduz o movimento das mãos de Adosa, define onde cede e onde se expande. Nesse diálogo íntimo, a obra adquire uma forma que se tece entre ordem e dispersão, revelando-se como corpo sensível que se recompõe na sua própria fragilidade. A cadeira abandona o lugar de objeto funcional e torna-se organismo, presença que respira, memória que insiste. Entre matéria e espaço nasce um murmúrio subtil — um convite a reconsiderar o destino do que esquecemos. A transformação de um objeto abandonado torna-se gesto de cuidado, reflexão sobre aquilo que retiramos ao mundo e sobre o que temos o dever de restituir.
Ao revelar a delicadeza do material nobre — a forma como se molda, se fragmenta e se revela — Adosa convida-nos a repensar a relação com o ambiente que habitamos e com a própria ideia de permanência. Aqui, a fragilidade é caminho e promessa: um apelo à atenção, à preservação, ao reconhecimento de que cada fragmento, por mais silencioso, guarda ainda a possibilidade de renascer.
Nesta Cadeira, a memória não é passado: é presença continuada, fio que nos une ao que fomos e ao que ainda podemos recuperar.
CADEIRA, 2025. Lâmina de madeira de cerejeira e cadeira de madeira recuperada, 100cm x 50cm x 50cm.

